Reflexões sobre o uso o uso das criptomoedas na integralização do capital social foram o foco da reunião de abril do Instituto Prof. Assis Gonçalves de Direito Empresarial e Cooperativo, realizada no formato híbrido.
O presidente do Instituto, professor Luiz Daniel Haj Mussi abriu os trabalhos dando boas-vindas a todos os participantes e apresentou os convidados: os professores Erasmo Valladão e Marcelo Vieira Von Adamek e a advogada Giulia Ferrigno.
À Giulia Ferrigno ficou a missão de apresentar o tema da reunião. Lembrou que as reflexões sobre o uso das criptomoedas na integralização do capital social fazem parte de um artigo escrito por ela e pelos professores Adamek e Valladão.
Afirmou que a ideia não e debater a disrupção desse sistema, mas olhar parar as regras de capital social e entender como se dá a compatibilização nessa nova categoria: a criptomoeda.
No início da apresentação, Giulia contextualizou sobre o capital social como proteção indireta aos credores, abordando definição, significado, objetivo e as formas de integralização. “Conforme prevê o Código Civil, o capital social pode ser integralizado em dinheiro ou em bens. Os requisitos para o processo são: transferibilidade e idoneidade”, observou.
Em relação aos criptoativos, a advogada explicou que as criptomoedas são meras unidades de computação eletrônica, que não são emitidas e nem fiscalizadas por autoridade pública centralizada; são criptografadas, gerenciadas e armazenadas em rede aberta, ou seja, pelo sistema blockchain.
Quanto ao funcionamento disse que o usuário cria carteiras que permitem acesso ao crédito de criptomoedas administrado na rede, com base em procedimento criptográfico. “Cada carteira tem uma chave pública e uma privada, que são uma sequência de números e letras gerados eletronicamente. Por meio dessas chaves o usuário pode transacionar os valores A blockchain funciona como livro-razão coletivo, no qual as transações são continuamente registadas em blocos, pelos chamados mineradores”. Giulia lembrou que as carteiras são anônimas, descentralizadas e não rastreáveis.
Atualmente, são mais de 11 mil criptomoedas transacionadas no mundo e não existe ainda uma doutrina jurídica sobre como avaliar a melhor. “A doutrina alemã, por exemplo, assegura que o principal requisito é que o criptoativo esteja bem estabelecido e seja menos volátil a flutuações”, destaca a advogada.
Como as criptomoedas não são emitidas por uma autoridade pública como moeda de curso legal e também não há nenhum órgão oficial e neutro responsável pela gestão das criptomoedas e realização de transações entre os sujeitos, a integralização do capital não pode ser feita em dinheiro. Segundo Giulia, quanto aos bens, a premissa é: pode ser integralizado como “bem” tudo aquilo que tenha as qualidades de transferibilidade e idoneidade, suscetíveis para avaliação em dinheiro, compatíveis com interesse social e passíveis de penhora. “Mas no caso da criptomoedas isso não é possível devido ao anonimato”.
Ao falar sobre contornos da integralização como bens e questões decorrentes, Giulia afirmou que a regra geral é que o bem deve ser transferível ao patrimônio social, de tal forma que possa ser utilizado pra a exploração da atividade, de acordo com as decisões da administração. Isso seria feito pela transferência fática do poder de disposição sobre as criptomoedas.
Neste aspecto, Giulia acredita que a integralização do capital social por criptomoedas enfrentará vários desafios e dúvidas quanto à transferibilidade. Ela traz algumas questões: Como credor e sócio podem assegurar que houve a integralização? Como garantir a intangibilidade do capital social? Na hipótese de “carteira custodiante” (uso de corretoras), como evitar a má gestão ou ataques de hackers? Nesse caso, a solução seria criar regras de diligência para escolha da autoridade custodiante, pontua.
A advogada fez algumas reflexões: não há como assegurar a integralização por causa da impossibilidade da verificação da titularidade da carteira e da intangibilidade, pois não tem como comprovar a assinatura do autor. Seria o caso de registrar a transação de outra forma ou emitir um recibo para atestar o recebimento e a adoção da multi-assinatura?, indaga Giulia.
Quanto ao requisito de idoneidade para avaliação em dinheiro, Giulia comenta que o bem que será objeto de contribuição ao capital social da sociedade deve poder ter seu valor econômico determinado. “No caso das criptomoedas, a própria existência do mercado atesta essa possibilidade. Mas aqui também temos desafios: o mercado de criptomoedas é volátil e com flutuações de preços, com riscos de supervalorização. A solução seria a proibição de algumas moedas de natureza especulativa”, aponta.
A respeito da penhorabilidade concreta, Giulia acentua que as criptomoedas que serão integralizadas devem ser penhoráveis, ou seja, deve ser possível ao Poder Judiciário realizar a constrição sobre o bem, afetando-o à execução forçada, para garantir a satisfação do crédito do exequente possivelmente com uma futura expropriação. “Mas também nesse caso temos desafios: a chave privada é não-rival e não-excludente, ou seja, sem possibilidade de apreensão, além de poder ocorrer fraude na execução”, salienta.