O novel regramento sobre as ações de improbidade administrativa (Lei n. 14.230/2021)

Por Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin e Eloise Bertol

As alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), publicada recentemente, promoveu significativas mudanças em relação à redação anterior.

Inicialmente, no que diz respeito a prescrição, a previsão do prazo de 8 anos contados a partir da prática do ato foi inclusa pelo art. 23, o qual dispõe que, interrompida a prescrição pelos marcos do § 4º (como ajuizamento da ação ou publicação da decisão condenatória), o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do tempo, ou seja, 4 anos. Tal previsão legal representa uma importante evolução na Lei, considerando que não havia prazo para a propositura da ação, provocando, inúmeras vezes, uma responsabilização eterna das pessoas envolvidas no suposto ato ímprobo.

De acordo com o novo regramento, passou-se a se exigir uma maior especificação para os elementos da petição inicial, na qual deverá ser individualizada a conduta do réu, contendo elementos probatórios mínimos que caracterizem as hipóteses previstas na Lei, sob pena de a petição ser rejeitada.

A partir de agora, contra a decisão que rejeitar questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação, cabe agravo de instrumento (assim como no caso da decisão que acolher ou rejeitar o pedido de indisponibilidade de bens).

Não obstante, a sentença proferida nos processos que versem sobre improbidade administrativa deve ser fundamentada, com base nas hipóteses estritamente alegadas na inicial, cujo ato (seja aquele que importe enriquecimento ilícito, ou que comporte prejuízo ao erário ou ainda que atente contra os princípios da Administração Pública) não podem ser presumidos.

Ademais, o magistrado poderá julgar a ação improcedente em qualquer momento do processo caso não comprovado o ato de improbidade.

Um dos pontos mais comentados acerca da Lei nº 14.230/2021, diz respeito ao requisito expresso do dolo para a configuração do ato de improbidade, não cabendo mais a responsabilização por culpa.

A nova redação do art. 3º da LIA passou a prever que os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado só serão responsabilizados pelo ato de improbidade se comprovadamente houverem participado e recebido benefícios diretos, caso em que responderão na medida da sua participação.

O referido dispositivo segue o mesmo tom do art. 10 da nova Lei, o qual ressalta a necessidade de comprovação efetiva do dolo e do dano causado ao erário. Nesse aspecto, a mudança mostra-se positiva, na medida em que não são poucos os casos, inclusive os já atendidos por este escritório, de ações civis públicas absolutamente desprovidas de fundamentação, sem que tenha sido comprovada a efetiva lesão ao erário, resultando em ações baseadas apenas em presunções, o que é inadmissível.

Diante disso, espera-se que a alteração legislativa confira, definitivamente, a necessária segurança jurídica aos gestores, inclusive nos termos do § 3º do art. 1º, o qual prevê que “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”.

Outro marco importante diz respeito a regulação mais detalhada sobre a medida de indisponibilidade de bens, regida pelo art. 16. Além de, para o deferimento da medida ser necessária a comprovação de efetivo perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, o réu pode requerer a substituição por caução idônea, fiança bancária ou seguro-garantia judicial, bem como a readequação da indisponibilidade no curso do processo.

Considerando os casos em que a indisponibilidade de bens se prolonga por extenso lapso temporal, uma regulação maior sobre o tema se mostra importante para evitar abusos. A Lei ainda passou a dispor que a constrição recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário (deixando de lado valores atinentes à multa, por exemplo), evitando-se, ainda, o bloqueio de contas, medida essa excepcional.

Cabe ainda ressaltar a questão da aplicação da nova lei nos casos que permanecem em trâmite. Considerado que a LIA prevê a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, bem como levando-se em conta as normativas que regem o direito penal (mais próximas à LIA do que o direito civil), há quem defenda ser aplicável o princípio da retroatividade da lei mais benéfica nas situações ainda em curso.

Além de garantido constitucionalmente (art. 5º, XL), o referido princípio é assegurado pelos mecanismos internacionais do qual o país é signatário, como a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Isto é, no caso de a nova lei ser mais benéfica ao réu acusado pela prática dos atos previstos na LIA, aplica-se a nova disposição. É esse o entendimento encontrado não apenas no Supremo Tribunal Federal [1], como também no Superior Tribunal de Justiça [2], em precedente no qual se entende que “o art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage”.

O mesmo é defendido por José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual uma “norma nova só pode alcançar o servidor no caso da denominada retroatividade benigna, ou seja, se instituir situação a ele mais favorável”. [3]

Em paralelo a tese da retroatividade da lei mais benéfica, recentemente, o MPPR divulgou um estudo preliminar sobre a aplicabilidade da Lei nº 14.230/2021 em processos em curso (CAOP, de 08/11/2021), já indicando qual será o posicionamento adotado para a discussão que sobrevier a partir da publicação da nova Lei.

Segundo o MPPR, não se admitirá a aplicação da Lei para fatos pretéritos, sendo aplicável a legislação em vigor à época em que os fatos foram praticados, conforme princípio do tempus regit actum. Sustenta, portanto, a irretroatividade da norma para as ações de improbidade administrativa em curso, as quais não serão materialmente afetadas por conta da atual legislação.

Abre-se um parêntesis aqui, que o mesmo posicionamento acima, acerca do tempus regit actum, endossa o MPPR quanto à medida de indisponibilidade patrimonial. De acordo com o MPPR, as medidas de indisponibilidade já materializadas não sofrerão alteração diante da alteração legislativa.

Inobstante o atual posicionamento do Ministério Público sobre o tema, ainda há muito o que se discutir, especialmente quanto à retroatividade da Lei nas questões afetas à prescrição, à exigência do dolo e à indisponibilidade de bens, cabendo à doutrina e ao judiciário dirimir essas e outras questões.

Fato é, que a Lei nº 14.230/2021 trouxe uma série de regulações que permitem maior segurança jurídica para o agente público, vedando a atuação arbitrária e desmedida dos órgãos de fiscalização. Espera-se que tais medidas tragam efeitos práticos que promovam maior previsibilidade na aplicação da Lei.


[1] ARE 854762 AgR – Primeira Turma – Min. ROBERTO BARROSO – Julgamento 07/11/2017 – DJe 17/11/2017.

[2] REsp 1153083/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 19/11/2014.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 1015 (e-book).

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