Artigo: Armazéns Gerais

As advogadas Cintia Luiza Tondin e Marina Kujo Monteiro, integrantes de Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados, assinam um interessante artigo no qual tratam dos Armazéns Gerais, destacando as suas principais atividades, forma de tributação e a emissão de conhecimentos de depósito e warrants.  

ARMAZÉNS GERAIS

por Cintia Luiza Tondin e Marina Kujo Monteiro 1. A atividade de armazenagem geral A origem dos armazéns gerais, como hoje conhecidos, está relacionada à atividade portuária. Foram construídos na Idade Média com a finalidade de receber mercadorias importadas, permitindo que elas fossem negociadas mais facilmente. Surgiram na Inglaterra, com a instituição das docas, após a ocorrência de furtos nos navios ancorados. Ao lado das docas, existiam armazéns públicos que emitiam warrants desde 1708. O Código Comercial de 1850 tratava em seu Capítulo V (arts. 87 a 98) dos armazéns de depósito, entretanto não havia autorização para a emissão dos títulos representativos de mercadorias. Posteriormente, a atividade foi prevista em alguns decretos que também tratavam da atividade portuária. Hoje, a atividade de armazéns gerais é regulamentada por meio do Decreto n° 1.102, de 21.11.1903, com as alterações promovidas pela Lei Delegada n° 3, de 26.09.1962, que dispõe sobre as regras de instituição e funcionamento dessas empresas. O artigo 1º do Decreto n° 1.102/1903 conceitua armazéns gerais como as empresas destinadas a guarda e conservação de mercadorias, com a possibilidade de emissão de títulos especiais que as representem. Desse dispositivo também se extraí as finalidades desse estabelecimento, que é de (i) providenciar a guarda e conservação dos produtos neles depositados; e (ii) possibilitar a mobilização das mercadorias, mediante a emissão de títulos representativos que podem circular por meio de endosso. Essa segunda finalidade aponta as vantagens dessa atividade, que facilita a circulação da mercadoria, sem a necessidade de movimentá-las materialmente, por meio da emissão do warrant e do conhecimento de depósito. Por se tratar de uma atividade própria do Estado descentralizada ao particular, e em razão do seu interesse público, a atividade, além de se sujeitar à fiscalização pelas Juntas Comerciais e pelo Ministério da Fazenda, apresenta características próprias, com diversas obrigações e restrições àqueles que pretendam exercê-la (inclusive proibindo o exercício por aqueles condenados por crimes de falência culposa ou fraudulenta, estelionato, abuso de confiança, falsidade, roubo ou furto; art. 1°, §5°). Para que seja registrada a atividade na Junta Comercial, o pedido de registro deverá ser acompanhado do regimento interno e a relação de tarifas e outros serviços, que será publicado por edital no prazo de um mês do dia da matrícula (art.1º, §1º). Também acompanhará o pedido a “descrição minuciosa de todos os aprestos do armazém” que será averiguado por meio de mandado expedido pela Junta Comercial (art.12). Após o arquivamento da publicação o empresário assinará o termo de fiel depositário – que será objeto de nova publicação –, podendo ser indicados os serviços e operações que constituem o objeto da empresa. As publicações serão realizadas no Diário Oficial da União ou do Estado e em jornal de grande circulação. Com o registro a empresa passa ser obrigada a: 1)     Manter, além dos livros mercantis, livro de entrada e saída de mercadorias, no qual serão anotadas as consignações em pagamento, as vendas e todos os acontecimentos relacionados às mercadorias depositadas; 2) Fornecer o recibo de depósito e emitir os títulos quando requerido pelo depositante; 3) Apresentar para a Junta Comercial, até o dia 15 dos meses de janeiro, abril, julho e outubro de cada ano, resumo das movimentações de mercadorias (entrada e saída), bem como dos títulos emitidos e negociados; 4) Apresentar anualmente, até o dia 15 de março, balanço detalhado de todas as operações e serviços realizados no ano anterior, acompanhado de relatório circunstanciado contendo considerações que julgarem úteis; 5) Afixar em lugar visível o regulamento interno e as tarifas praticadas, disponibilizando gratuitamente cópias desses documentos a quem os solicitar; As questões operacionais também deverão ser ajustadas, para se adaptar às seguintes exigências: 1) O armazém geral não pode estabelecer preferência entre os depositantes a respeito de qualquer serviço; 2) Não pode recusar o depósito, ficando obrigado a receber de qualquer depositante as mercadorias, salvo se (i) excepcionadas no regulamento; (ii) não houver espaço para acomodação; ou (iii) puder danificar as já depositadas; 3)     Deve cobrar a mesma tarifa para todos os depositantes, ficando proibido de abater o preço marcado na tarifa em benefício de um depositante; 4) Fica proibido de implementar modificações na tarifa antes de decorridos 30 dias da publicação de edital com essa informação, exceto se isso for em benefício do depositante; 5) Não pode exercer comércio de mercadorias idênticas às depositadas, e nem adquiri-las sob o pretexto de consumo particular; 6) É vedado ao armazém geral negociar os títulos que emitir, sob pena de responsabilização criminal; 7) Fica obrigado a contratar seguro contra incêndio das mercadorias que forem emitidos os títulos; 8) Nas hipóteses em que ocorrida a venda ou cessão dos bens ou créditos que não forem reclamados por quem de direito, o armazém geral fica obrigado a depositá-los judicialmente, em 8 dias, sob pena de responsabilização criminal; 9) Fica obrigado a observar os requisitos para recebimento da mercadoria com a emissão de recibo, conhecimento de depósito e warrant; 10) Deve, ainda, observar as regras fiscais, especialmente do ICMS, emitindo os documentos em acordo com o regulamento do imposto. Tanto a Junta Comercial como o Ministério da Fazenda podem inspecionar os armazéns, a fim de verificar se os balanços apresentados estão anexos ou se têm fielmente cumprido às instruções, o regulamento interno e a tarifa. O prazo do depósito é de 6 meses, podendo ser prorrogado por acordo entre as partes. Se forem mercadorias estrangeiras sujeitas a direitos de importação, e se tiverem sido emitidos os títulos representativos, tal prazo poderá ser prorrogado por mais 1 ano pela Receita Federal, somente se o valor da mercadoria garantir o pagamento integral dos títulos. Passado o prazo, o armazém notificará o depositante para retirar a mercadoria em 8 dias. Caso isso não ocorra, o armazém geral mandará vender o bem por leilão ou corretor, anunciando com antecedência de 3 dias (art. 10, § 1º). O produto da venda, deduzidos os créditos preferenciais, se não retirado no prazo de 8 dias, será depositado em juízo (art.10, §3°). No tocante à responsabilidade, o administrador da empresa – ou quem assumir o cargo de fiel depositório – responde pelas mercadorias e por eventuais irregularidades ou inexatidões nos títulos que emitir. Interessa referir, ainda, que os armazéns gerais depositários de mercadorias da mesma natureza e qualidade pertencentes a diversos donos, se guardá-las misturadas, respondem pelas perdas e danos mesmo em casos de força maior. Eventuais indenizações por danos têm prazo prescricional de três meses e serão correspondentes ao preço da mercadoria e em bom estado no lugar e no tempo em que deveriam ser entregues. Os armazéns gerais têm direito de retenção para garantia do pagamento das tarifas e despesas de conservação e demais serviços, das mercadorias. Tal direito pode ser oposto à massa falida do devedor. Além disso, têm direito de indenização pelos prejuízos causados por culpa ou dolo do depositante. 2. Emissão de conhecimento de depósito e warrant Os armazéns gerais estão autorizados à emissão do conhecimento de depósito e warrant, nos termos do art. 15 do Decreto n° 1.102/1903. Quando o depositante entrega as mercadorias à guarda do armazém, este expede recibo, no qual declara a natureza, quantidade, número e marca da mercadoria. Trata-se de simples recibo de entrega que poderá ser substituído pelo conhecimento de depósito e warrant, a pedido do depositante, durante o prazo do depósito. Tais títulos têm por função mobilizar o crédito referente às mercadorias depositadas, já que o depositante poderá destacá-los. O conhecimento de depósito incorpora o direito de propriedade sobre as mercadorias que representa, e o warrant se refere ao crédito e o valor dos bens. Tais títulos devem conter as informações que caracterizem a mercadoria, além daquelas referentes: (i) ao armazém; (ii) ao depositante; (iii) ao seguro contratado; (iv) aos impostos incidentes e tarifas devidas. No caso de ser acordada a transferência da mercadoria para outro armazém deverá constar, ainda, (a) local para onde se transferirá a mercadoria em depósito; (b) despesas decorrentes da transferência, inclusive as de seguro por todos os riscos. A emissão será feita mediante a extração de um livro de entradas e saídas, chamado livro de talão, observada a ordem de data e contendo todas as informações referentes aos títulos. No verso do respectivo talão, o depositante passará recibo dos títulos, bem como serão anotadas todas as ocorrências que se derem com os títulos dele extraídos, como a substituição, restituição, consignação de valores, perda, roubo, etc. Os títulos recebem uma numeração sequencial, bem como a informação do número do talão a que se referem, para facilitar a identificação. Ainda, os títulos são emitidos à ordem, ou seja, deve sempre indicar o nome do beneficiário, que poderá ser o próprio depositante ou terceiro por ele indicado. Entretanto, como o conhecimento de depósito e o warrant são emitidos como único título, podendo, posteriormente, ser destacados, eles não podem ter beneficiários diferentes. Com a emissão, temos as seguintes consequências a serem observadas: (i) o recibo de depósito perde seu valor como comprovante, sendo substituído pelo conhecimento de depósito e o warrant; (ii) as mercadorias devem ser conservadas no armazém geral da mesma forma como entregues e como constam do livro de talão e dos títulos, bem como não podem sofrer embargo, penhora ou sequestro de credores do depositante; e (iii) a mercadoria somente será devolvida mediante a apresentação dos dois títulos. Na hipótese de retirada apenas com o conhecimento de depósito, aquele que pretende retirar a mercadoria deverá depositar no armazém geral o valor da dívida e juros até o vencimento do warrant, além dos impostos, valores referentes à armazenagem vencida e outras despesas. Com isso, o armazém deverá passar recibo do valor consignado, extraído do livro de talão, bem como notificar o primeiro endossador do warrant da consignação. O valor consignado será entregue ao credor mediante restituição do warrant com a devida quitação e lançamento no livro de talão. Caso o credor não apresente o warrant até 8 dias depois do vencimento da dívida, o armazém deverá depositar em juízo a quantia, sob pena de multa. Na hipótese de vencimento da dívida constante no warrant, sem o pagamento da dívida ou consignação, o credor poderá vender em leilão as mercadorias depositadas.  3. Obrigações fiscais O armazém geral possui diversas obrigações fiscais. Sobre a atividade, incidem tributos das 3 esferas:  municipal, estadual e federal. Quanto àqueles de competência dos municípios, é cobrado o ISS, pois o serviço enquadra-se no previsto no item 20.01 da lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003, que dispõe sobre “Serviços portuários, ferroportuários, utilização de porto, movimentação de passageiros, reboque de embarcações, rebocador escoteiro, atracação, desatracação, serviços de praticagem, capatazia, armazenagem de qualquer natureza, serviços acessórios, movimentação de mercadorias, serviços de apoio marítimo, de movimentação ao largo, serviços de armadores, estiva, conferência, logística e congêneres” (grifamos). O valor do tributo será calculado mediante a aplicação da alíquota prevista na lei municipal sobre o valor total do serviço (que configura a base de cálculo para fins de ISS). Em relação aos tributos estaduais, o Regulamento do ICMS dos Estados geralmente prevê as hipóteses de incidência na atividade. No Paraná, por exemplo, o Regulamento do ICMS (RICMS/2012, aprovado pelo Decreto n.º 6.080/2012), determina, no art. 105, que o pagamento do imposto fica suspenso para as operações internas de armazenagem (ou seja, quando ocorre dentro do Estado do Paraná). Já se a armazenagem for interestadual, é aplicável a alíquota de 12% sobre o valor da armazenagem. No entanto, na venda ou retorno da mercadoria, o armazém (responsável tributário) tem direito à devolução do crédito, o que torna a operação global tributariamente neutra. O armazém geral deve observar diversas regras atinentes às obrigações acessórias que por ele devem ser cumpridas. Neste sentido, o RICMS/PR, dispõe, a partir do art. 314, a necessidade de o armazém geral emitir nota fiscal quando da saída e da entrada das mercadorias em seu estabelecimento, hipóteses em que deve constar, no mínimo, (i) o valor da mercadoria; (ii) a natureza da operação (que pode ser de armazenagem ou de retorno simbólico da mercadoria para o depositante, 1); (iii) os dados das notas fiscais anteriormente emitidas; (iv) os dados do estabelecimento destinatário e do depositante. O destaque do imposto na nota fiscal dependerá da natureza da operação: se interestadual ou interna. Caso a nota fiscal seja emitida de forma incorreta, fica o armazém geral sujeito à responsabilização, nos termos da lei tributária, pelo descumprimento de obrigação acessória. O RICMS/2012 do Paraná também traz os prazos que regem a emissão das notas, bem como o prazo para que o documento seja enviado para o depositante e o registro da nota nos livros do adquirente, do depositante e do armazém geral. Ressalte-se que em caso de transmissão de propriedade da mercadoria, decorrente da possibilidade de endosso dos títulos de conhecimento de depósito e warrant, o armazém geral deve observar os requisitos de emissão de nota fiscal constantes do art. 324 a 326 do RICMS/2012, emitindo nota fiscal para o depositante e para o adquirente. Por fim, em relação os tributos da esfera federal, incidem (i) o imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ, 1); (ii) o IPI (cuja incidência está suspensa por força do art. 43, inciso III, do Regulamento do IPI – aprovado pelo Decreto n.º 7.212/2010, 1); (iv) PIS e Cofins, à alíquota de 0,65% e 3%, respectivamente, sobre o faturamento da empresa.

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