A Legalidade do Contrato de Associação

Por Guilherme Kloss Neto *

(texto publicado originalmente no Anuário 2015 do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – disponível em http://www.cesa.org.br/anuarios_cesa.html)

Acompanhamos com grande preocupação as iniciativas do Ministério Público do Trabalho (MPT), em vários estados, de propositura de inquéritos, ações civis ou procedimentos de fiscalização, via Delegacias do Trabalho, endereçadas a escritórios de advocacia, a pretexto de “denúncias anônimas” acerca de supostas irregularidades na contratação de advogados associados.

Esse assédio às sociedades de advogados parece consagrar uma postura de intolerância do MPT para com a figura do advogado associado, como se houvesse ilegalidade nesse tipo de contratação, conclusão essa totalmente insubsistente e contrária às normas vigentes.

Em uma rápida rememoração, advogado associado é criação do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia (RG/EAOAB), editado pelo Conselho Federal da OAB, com supedâneo nos artigos 54, V, e 78 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB).

O RG/EAOAB autoriza, em seu art. 39, que a sociedade de advogados se associe com advogados, sem vínculo de emprego, para participação destes nos resultados daquela. A figura não se confunde com os sócios de capital ou de serviços, ou com os advogados empregados, categorias tipificadas nos artigos 15 a 21 do EAOAB.

O advogado associado, atado por vínculo específico, não é integrante do quadro de sócios da sociedade, assim como dessa também não é empregado. Sua remuneração deve dar-se na forma de participação nos resultados, não lhe sendo extensíveis lucros ou prejuízos sociais.

A participação nos resultados deve guardar respeito ao compartilhamento de honorários das causas de que o associado participa, pois fora deste contexto, tais como remuneração exclusivamente fixa ou participação nos lucros, poderá desnaturar a categoria. Por essa razão, a participação nos resultados que ajude a gerar, junto com outros elementos da relação contratual, deve ser delineada expressamente no contrato.

O dispositivo que criou a figura do advogado associado foi comentado pelo Prof. ALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETO, em sua obra de referência, para quem

“Essa previsão, certamente, visa a atender uma particularidade da advocacia, que é a independência do seu exercício. A associação de advogado à sociedade não caracteriza vínculo de emprego, por lhe faltarem os pressupostos necessários à sua configuração, dentre eles, principalmente, a subordinação hierárquica, a natureza permanente dos serviços e a contratação de salário como contraprestação pelo dispêndio de energia. Seja física ou intelectual, nos moldes previstos no art. 3º e parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho.

Não padece a regra regulamentar de qualquer vício de ilegalidade, como querem fazer crer alguns dos representantes do Ministério Público do Trabalho, porque não está a criar nova figura jurídica, mas simplesmente a contemplar uma possibilidade concreta, dentre as várias possíveis, de contratação de serviços de advocacia pela sociedade. Ou seja, com ou sem a norma regulamentar, a ampla liberdade de contratar permitiria que a sociedade de advogados celebrasse contratos de associação com advogados autônomos” (Sociedade de Advogados. 6ª. ed. São Paulo: Lex Ed., 2015, p. 151).

Essa espécie de contratação pressupõe um autêntico espírito de parceria, com ênfase na liberdade e na autonomia do associado, que não faz parte do quadro societário, mas participa dos resultados nas causas em que atua, respondendo de forma subsidiária e ilimitada por danos causados no exercício da advocacia (art. 40 do RG/EAOAB), nas hipóteses de dolo ou culpa, por ação ou omissão, mais a responsabilidade disciplinar em que possa incorrer.

Destaque-se que o advogado associado se diferencia claramente das figuras do advogado sócio e do advogado empregado, pois o sócio assume os riscos da atividade econômica e participa dos prejuízos e lucros da sociedade, sendo certo que, para o advogado ser considerado empregado, devem estar presentes os elementos traçados no art. 3° da CLT, que são o trabalho não eventual, prestado por pessoa física, mediante subordinação e com onerosidade.

O Poder Judiciário tem sido instado a conhecer de ações ajuizadas pelo MPT sobre o tema, proferindo algumas decisões lúcidas, como se vê nessa sentença da Juíza PAULA BORLIDO HADDA:

“Assim, para apurar se os advogados contratados como associados são, na realidade, empregados do escritório, verificar-se-á a ilegalidade do contrato de prestação de serviços, se este for contrário à lei, ou a inequívoca subordinação hierárquica, uma vez que o instituto de associação de uma sociedade profissional exige, impreterivelmente, uma subordinação mitigada.

A subordinação é o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, com sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato e à função.

Em relação ao trabalho intelectual a subordinação tem determinadas peculiaridades, pois o advogado terá maior liberdade de iniciativa e maior autonomia se comparado a empregados não intelectuais.

O artigo 39 do Regulamento Geral da OAB preconiza a instituição da sociedade de advogados, por meio de associação destes, que é dotada de presunção relativa de ausência de vínculo empregatício” (autos 0000849-72.2014.503.0001, da 1ª VT de Belo Horizonte).

A mesma orientação ecoa de julgado proferido em ação onde se questionava a condição de advogado como sócio, mas que pode ser estendida ao associado:

“A configuração de vínculo de emprego requer a presença cumulativa de todos os pressupostos fático-jurídicos atinentes ao trabalho prestado por pessoa física, de forma pessoal e não eventual, com subordinação jurídica e mediante onerosidade. A ausência de um desses requisitos demonstra que os serviços de advocacia desenvolvidos pela autora eram de natureza societária, devendo ser afastada a v. decisão que reconheceu a existência de relação de emprego nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT” (TRT/3ª Reg., proc. 0000993-32.2014.5.03.0038).

A experiência demonstra que algumas contratações de advogados associados podem mascarar pacto laboral, mas é questão a ser resolvida no âmbito interno da relação entre sociedade e advogado, cabendo a esses, e somente a esses, o preenchimento dos polos da relação processual que possa ser intentada para discussão sobre eventual vínculo de trabalho.

Alguns não veem a legitimidade do MPT para promover a abertura de inquéritos e a propositura de ações civis em desfavor das bancas, para imiscuir-se em relações de âmbito privado, tais como a contratação de advogado associado, pois não haveria aqui interesse social e individual indisponível a ser protegido, muito menos interesses difusos a justificar a atuação do órgão.

Seja como for, legitimado ou não, o MPT tem atuado de uma forma que poderia ser chamada, no jargão popular, de “caça às bruxas”, num movimento que parece querer amedrontar os escritórios quanto a legalidade da associação, tratando a todos como culpados até prova em contrário, como se o advogado, profissional altamente preparado e conhecedor das leis, fosse hipossuficiente em suas relações com as sociedades. Essas, a seu turno, passam pelo constrangimento de ter seus registros e arquivos devassados, num movimento que remete aos tempos da inquisição.

Essa tutela estatal é descabida, sendo inconcebível que as sociedades e os advogados associados sejam a ela submetidos para discussão acerca de seus direitos individuais, em seus assuntos eminentemente privados.

O vínculo associativo entre advogado e sociedade, nos moldes do art. 39 do RG/EAOAB, é legalmente admitido e a contratação pura, averbada na Seccional da OAB a que pertença a banca, para a condivisão de resultados obtidos no atendimento a clientes de que participa o associado, com o recolhimento dos tributos e contribuições incidentes, jamais poderá conduzir ao entendimento de tratar-se de contratação ilegal, sendo maneira legítima e eficaz de criação de pacto não laboral.

* Guilherme Kloss Neto é advogado de Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados

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