por Cintia Luiza Tondin
A arbitragem como meio de solução de conflitos societários não é novidade no Brasil, pois o Código Comercial já previa em seu art. 294, a arbitragem obrigatória para solução de controvérsia entre sócios com a companhia. Com a alteração pela Lei nº. 1.310/1866, a arbitragem tornou-se facultativa, e posteriormente, o Decreto nº. 3.900/1867 fez da cláusula compromissória simples promessa de contratar. Vale lembrar que mesmo quando da arbitragem compulsória, havia, ainda, a facultativa, para quaisquer outros conflitos societários, como aqueles entre sócios e a própria sociedade.
A própria Lei nº. 6.404/1976, mesmo antes da reforma de 2001, já previa a possibilidade de utilização da arbitragem, pois na hipótese de empate nas deliberações em assembleia geral, seria instalado juízo arbitral, se assim dispusesse o estatuto da companhia (§2º do art. 129). Ainda que parte da doutrina entenda que se estaria diante de um procedimento de auxílio na formação de vontade social na assembleia de acionistas e não da arbitragem como meio alternativo de solução de litígios, fato é que o §2º do art. 129 da Lei n° 6.404/1976 já chancelava a utilização da arbitragem.
Em sintonia com o avanço da disciplina da arbitragem, ocorrida principalmente pela edição da Lei n°. 9.307/1996, a Lei nº. 10.303/2001, ao modificar diversos dispositivos da Lei nº. 6.404/1976, acrescentou o §3º no art. 109, dispondo que: “o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”. Essa alteração vem ao encontro da necessidade, inerente à própria dinâmica das atividades econômicas, de maior eficiência na solução de litígios entre os acionistas.
Em verdade, o dispositivo é apenas indicativo de que o recurso da arbitragem está aberto aos acionistas e a sociedade para a solução de conflitos, pois mesmo antes dessa previsão, a arbitragem já era possível no âmbito das sociedades anônimas, bastando apenas que as sociedades incluíssem nos seus estatutos a cláusula compromissória. Tanto é assim, que a arbitragem já vinha sendo utilizada pelas sociedades, em decorrência das notórias dificuldades do Poder Judiciário em dirimir as complexas divergências surgidas no meio societário entre acionistas, a companhia e seus controladores. Daí essa previsão consolidar o favorecimento da arbitragem, não se tratando de autorização legislativa.
Diante da nova redação do art. 109 da Lei nº. 6.404/1976 surgiram entendimentos divergentes quanto aos limites subjetivos da cláusula compromissória estatutária. As principais questões circundavam em torno das hipóteses de alteração do estatuto social para inclusão da cláusula compromissória e a vinculação do acionista ausente, dissidente ou que se absteve de votar, bem como a vinculação de novo acionista.
Em relação ao acionista dissidente, ausente ou que se absteve de votar, o questionamento se fazia presente pela ausência de manifestação de vontade no sentido de afastar a jurisdição estatal, ou pior, pela manifestação contrária a inclusão da cláusula compromissória no estatuto social.
Por sua vez, para o acionista que ingressava na sociedade em momento posterior à instituição da cláusula arbitral poder-se-ia sustentar a não vinculação dos novos acionistas, também pela inexistência de concordância expressa. Esse obstáculo ocorreria principalmente ao se tratar de companhia aberta, em que a aquisição de ações muitas vezes é concretizada por corretores, em bolsa de valores ou mercado de balcão, sem o conhecimento da existência da cláusula arbitral.
De fato, sendo a autonomia da vontade um dos pilares para a instituição do juízo arbitral, parte da doutrina entende que validade e eficácia da cláusula compromissória estatutária depende necessariamente da específica e formal adoção por todos os compromissados, caso contrário, será nula cláusula arbitral por ferir direito essencial do acionista de socorrer-se ao Poder Judiciário. Isto é, o principal fundamento contra a vinculação do acionista, relacionava-se com à inexistência da manifestação de vontade, que não poderia ser suprida simplesmente pela supremacia do interesse social.
Ressalte-se que, não havia dúvidas quando a vinculação do acionista fundador, quando cláusula compromissória era incluída já no momento de constituição da companhia, tendo em vista que a aprovação do estatuto deve se dar por unanimidade.
Na primeira hipótese, de alteração do estatuto social, a saída encontrada por parte da doutrina é princípio da maioria que rege as deliberações assembleares, sendo que o acionista ao ingressar na companhia teria conhecimento e reconheceria o princípio legal majoritário, não podendo fazer nada, exceto nas hipóteses de prática ilícita no direito de voto. Assim, uma vez que não há previsão de quórum qualificado para alteração do estatuto para a inclusão da cláusula compromissória, poderá a assembleia deliberar por maioria simples, vinculando os acionistas ausentes, dissidentes ou que se abstiveram no momento da votação.
Com a Lei n° 13.129/2016, foi acrescentado o art. 136-A a Lei n° 6.404/1976, estabelecendo que “a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações”.
Além de reconhecer a vinculação de todos acionistas a convenção de arbitragem, a alteração legislativa reconheceu o direito de retirada do sócio dissidente o que antes não era aceito, em razão do entendimento doutrinário de que tal alteração não afetava os direitos essenciais do sócio.
Lembrando que o direito de retirada não será aplicável em duas hipóteses: (i) caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe; ou (ii) caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado.
Na segunda hipótese, deve se considerar que o ingresso de um novo acionista, na grande maioria das vezes, está ligado à relação negocial que poderá lhe trazer lucros. Assim, espera-se que haja um conhecimento prévio do estatuto social, pois assumirá voluntariamente um pacote de direitos e obrigações, não se admitindo que o novo acionista tenha o direito de escolher os direitos e obrigações que estará vinculado. A manifestação de vontade, desse modo, ocorreria quando do ingresso do acionista na sociedade, pois com isso, aceita voluntariamente as regras do jogo.
No sentido de reconhecer a vinculação do novo acionista a cláusula de arbitragem prevista no estatuto social, a I Jornada de Direito Comercial, do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovou o enunciado n° 16, prevendo que “o adquirente de cotas ou ações adere ao contrato social ou estatuto no que se refere à cláusula compromissória (cláusula de arbitragem) nele existente; assim, estará vinculado à previsão da opção da jurisdição arbitral, independentemente de assinatura e/ou manifestação específica a esse respeito”.
Como se vê, a utilização da arbitragem como meio de solução de litígios societários sempre foi permitida, ainda que tenha ganhado espaço nas últimas décadas, evolução essa que foi acompanhada pela legislação e pela doutrina. Com a edição da Lei n°. 13.129/2016 não há dúvida sobre a vinculação do acionista à convenção de arbitragem, quando inserida em alteração do contrato social, que não exerceu o direito de retirada. Do mesmo modo, é pacificado o entendimento de que o novo acionista ao ingressar na sociedade que tenha essa previsão no contrato social manifestou concordância com a convenção de arbitragem. Esse reconhecimento da vinculação dos acionistas a cláusula de arbitragem não só fortalece o instituto, mas também confere segurança jurídica as sociedades que a elejam como meio alternativo de solução de litígios.