Consequências jurídicas da AGO tardia: quais são os riscos?

Por Micheli Mayumi Iwasaki

Ao tratar da possibilidade de adiar a assembleia geral ordinária (AGO) o contexto fático-jurídico era da decretação de estado de emergência em unidades da federação e municípios, que, agora resta agravado pelo reconhecimento legal do estado de calamidade nacional pela pandemia decorrente do coronavírus.

Diante da provável realização extemporânea da AGO, quais são as consequências jurídicas dela decorrentes?

A preocupação inicial seria a de aplicação do art. 43 da Lei Geral das Sociedades Cooperativas (LGSC) (1)  com a possibilidade de anulação do ato pela inobservância do prazo legal.

Para compreender a extensão da aplicabilidade do dispositivo, é preciso revisitar a teoria geral dos negócios jurídicos que, em síntese, possui o plano da existência, validade e eficácia e os elementos da pessoa capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei, cujo vício pode resultar em nulidade, invalidade e ineficácia, respectivamente.

Ainda que a AGO seja realizada fora do prazo determinado pela lei, não se verifica hipótese de nulidade, pois o ato será potencialmente praticado por pessoa civilmente capaz, tampouco será inválida na medida em que o objeto é lícito. Se com algum esforço hermenêutico se incluir o critério temporal como elemento formal, no máximo haveria como consequência a sua ineficácia, o que igualmente não se sustenta. Vejamos.

Em julgado similar o Superior Tribunal de Justiça tratou da questão de anulação de assembleia geral de cooperativa pela inobservância do envio de circulares na respectiva convocação, com previsão no art. 38, §1º, LGSC (2) . O entendimento foi no sentido de que a simples irregularidade deveria ser analisada sob a ótica da instrumentalidade das formas, pela sua finalidade, especialmente pela ausência de prejuízo que é um requisito essencial para a existência de nulidade (3). 

Do ponto de vista prático, a partir da pauta de rotina da AGO não se vislumbram situações que possam causar prejuízo à cooperativa e (ou) aos seus cooperados. A prorrogação das obrigações dos Conselhos de Administração, Fiscal, e até mesmo da responsabilidade civil do associado que foi desligado durante o exercício anterior (art. 36, LGSC) (4) constituem encargos que não importam em dano.

A eventual distribuição de sobras e outras remunerações podem ser objeto de correção monetária, cujo índice atualmente não representa valor pecuniário relevante, de modo que a ponderação sobre ocorrência de prejuízo somente pode ser analisado no caso concreto.

O ponto mais sensível possivelmente se dá com a prorrogação de mandatos findos de Conselho de Administração e (ou) Diretoria e Conselho Fiscal. Embora não haja previsão legal sobre a prorrogação tal qual na Lei de Sociedades Anônimas (art. 150, §4º) (5), é o único recurso nesse contexto de força maior em que as assembleias não podem ser realizadas e que deverá ser ratificado posteriormente. A cooperativa não pode ficar acéfala, tampouco se verifica lógico propor ação de anulação de AGO pela sua realização extemporânea ante a impossibilidade fática e jurídica de corrigir o ato jurídico e seus efeitos no tempo.

A calamidade pública decorrente do enfrentamento coletivo à pandemia do coronavírus importa em muitos desafios na aplicação dos corolários da legislação. As contingências das incertezas que se colocam aos cooperativistas devem ser mitigadas pelos seus princípios universais da gestão democrática e interesse pela comunidade e, especialmente, pelo protagonismo da autogestão.

(1) Art. 43. Prescreve em 4 (quatro) anos, a ação para anular as deliberações da Assembléia Geral viciadas de erro, dolo, fraude ou simulação, ou tomadas com violação da lei ou do estatuto, contado o prazo da data em que a Assembléia foi realizada. 

(2) Art. 38. […] § 1º As Assembléias Gerais serão convocadas com antecedência mínima de 10 (dez) dias, em primeira convocação, mediante editais afixados em locais apropriados das dependências comumente mais freqüentadas pelos associados, publicação em jornal e comunicação aos associados por intermédio de circulares. Não havendo no horário estabelecido, quorum de instalação, as assembléias poderão ser realizadas em segunda ou terceira convocações desde que assim permitam os estatutos e conste do respectivo edital, quando então será observado o intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre a realização por uma ou outra convocação.

(3) AGRAVO INTERNO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IRREGULARIDADE DE CONVOCAÇÃO DE COOPERADOS PARA ASSEMBLEIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS DELIBERAÇÕES FORMALIZADAS.   PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INVALIDADE NÃO RECONHECIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1.   A Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências, estabelece, em seu art. 38, § 1º, que os associados devem ser convocados para a Assembleia Geral mediante: a) afixação de editais afixados em locais apropriados; b) publicação em jornal; e, c) comunicação por intermédio de circulares. 2.  No caso dos autos, o Tribunal de origem afirmou que a falta do terceiro requisito (expedição de circulares aos associados) não prejudicou a publicidade da convocação, de modo que não seria possível anular as deliberações formalizadas pela Assembleia. 3.  As regras de convocação para realização de assembleias gerais de cooperativas devem ser interpretadas de forma finalística, resguardando-se a validade das deliberações tomadas sem o concurso de todos os requisitos formais quando o escopo da norma tenha sido atendido. Trata-se, afinal, da mesma máxima já consagrada em direito processual civil pelo brocardo pas de nullité sans grief e também pelos arts. 249 e 250 do CPC/73. 4. Agravo interno não provido. (STJ – Acórdão Agint no Resp 1355383 / Mg, Relator(a): Min. Moura Ribeiro, data de julgamento: 28/03/2017, data de publicação: 18/04/2017, 3ª Turma). 

(4) Art. 36. A responsabilidade do associado perante terceiros, por compromissos da sociedade, perdura para os demitidos, eliminados ou excluídos até quando aprovadas as contas do exercício em que se deu o desligamento.

(5) Art. 150. […] § 4º O prazo de gestão do conselho de administração ou da diretoria se estende até a investidura dos novos administradores eleitos.

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